AcroArte

Insatisfações sobre Instalações e Intervenções
Buscando com os grandes mestres um "Renascimento Contemporâneo"

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Isso é Arte?

"Arte é Arte ou é Merda"
(Portinari, apud E. Galeano em Espelhos)Augusto de Campos

“Pós-tudo, ex-tudo, nada”
Augusto de Campos (15/09/2005)
 
Uma artista inglesa expôs e vendeu a uma galeria, por 350 mil dólares, a cama onde ela passou a noite trepando e onde havia várias camisinhas usadas. Isso é arte?

O artista belga Win Delvoye enviou para a Bienal de Veneza uma lata contendo seu cocô. A obra foi denominada “Merda do artista”. No ano seguinte, ele industrializou o processo, criando, com um projeto de 200 mil dólares, uma engenhoca que fabrica merda, vendendo cada latinha dessa merda por 1.000 dólares. Em 2002 uma dessas latinhas foi comprada pela Tate Galery por quase um milhão de libras. Isso é cocô, quer dizer, isso é arte?

Vito Aconti, ex-marido de Marina Abramovic montou numa galeria uma instalação chamada Seedbed, que consistia em que ele ficasse sobre um estrado se masturbando durante oito horas por dia, durante duas semanas, dizendo em voz alta todas as fantasias que os assistentes lhe despertavam. Arte?

Haggens descobriu um método de plastificar os cadáveres e realizou algumas exposições com esses seres mortos que passaram por esse processo (pós-moderno) de mumificação. Aí havia gente com o ventre aberto, fetos, animais pela metade, enfim, aquilo que se chama de “museu de horrores”.

Na Feira Internacional de Arte Contemporânea, em Paris, em 1975, a performance de Herman Nitsch, patrocinada pela galeria Rodolf Stadler, consistia numa série de missas negras. Resultado: no dia seguinte ainda havia 2 cm de sangue sobre os 250 metros da galeria.

Marina Abramovic, em 1972, apresentou a obra Ritmo 0, que consistiu em ficar parada junto a uma mesa sobre a qual havia alguns objetos: uma arma, um machado, mel, tinta, perfume, baton, azeite, etc. Ela ficava ali exposta e à disposição dos expectadores que tinham num cartaz orientação de como atuar naquela obra de arte: “há 72 objetos sobre a mesa que podem ser usados em mim conforme desejado. Eu sou o objeto”. Como noticiou a imprensa, “seis horas depois suas roupas haviam sido rasgadas e a arma tinha sido apontada para sua cabeça”. Assim ela apenas radicalizou outra performance quando, certa feita, passou 12 dias na Sean Kelly Galery totalmente exposta à curiosidade do público enquanto passantes, bêbados, operários curiosos viam todas as suas intimidades.

Esses são apenas alguns dos exemplos das dezenas de obras de “arte contemporânea” que têm seu estatuto de valor estético questionado por Affonso Romano de Sant'Anna no seu ousado livro Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão (editora Vieira & Lent, 2003). A partir da grande receptividade de um artigo publicado no jornal O Globo, no ano de 2001, denominado “Arte – um equívoco alarmante”, Sant'Anna acabou escrevendo mais 50 artigos. Eles são saborosos de se ler, instigantes na suas argumentações e ousados em suas proposições sobre os rumos da arte atual.

O livro dá o diagnóstico: a arte meteu-se num grande imbróglio. Os culpados: Duchamp e uma legião de curadores, leiloeiros, marchands e galeristas que decidem o que é arte e o que tem valor enquanto tal. Pouco resta aos críticos, ensaístas e historiadores da arte, condenados ao silêncio e ao temor da contestação à ordem artística vigente.

E ao artista resta alguma decisão? Quantos artistas não estão traumatizados, paralisados, congelados de medo diante do desejo de pintar figuras, como se os talibãs os fossem pegar em flagrante?, questiona Sant'Anna.

Mas, diz o autor, é preciso começar a contestar os próprios contestadores que, de um momento para outro, se petrificaram, se academizaram, se midiatizaram. Segundo seu diagnóstico, Duchamp deu um xeque-mate na arte há quase 100 anos e, desde então, ela ficou paralisada, prisioneira de sua própria revolução. E é Duchamp, pai da arte conceitual, e seus correligionários, os alvos principais dos ataques de Sant'Anna.

Afinal, não foi o próprio abusado Duchamp que dizia que seus seguidores haviam se tornaram vítimas de sua própria artimanha? “Joguei o urinol na cara deles como desafio e agora eles o admiram como um objeto de arte por sua beleza estética”.

“Embora o urinol tivesse desaparecido daquela exposição em Nova York, para onde Duchamp o enviou, ele começou a produzir cópias de seu urinol, a assiná-las para diversos museus para inseri-las no sistema artístico que condenara. Só em 1964 autenticou oito outras peças semelhantes, caindo na repetição que tantas vezes condenou. O anti-artista virou artista, a anti-arte, arte. O feitiço virou contra o feiticeiro. O contestador sucumbiu à cultura do mercado. E, no final da década de 90, a Tate Gallery de Londres comprou uma das cópias por quase um milhão de libras”, diz Sant ´Anna.

Pensar Duchamp através de suas próprias problematizações é desconstruir o desconstrutor. O livro se encarrega dessa tarefa blasfema com muita propriedade.

O urinol nos revelou que todos podemos ser artistas, basta termos a atitude de escolher um objeto qualquer e denominá-lo arte. O trabalho braçal teve dessa forma seus dias contados (técnica para quê?). O que interessa é a receita, não o bolo. Interessa o conceito, não o fazer. Dessa forma tudo pode ser arte... se assim o quisermos.

Se tudo é arte, nada é arte. Se uma gosma espermática ou um bule velho de café podem ser arte, qualquer leigo, sem o mínimo talento para a arte, poderia se perguntar: por que não eu também? Calma lá, tudo bem que democratizamos o “talento”, mas nem todos podem ser chamados de “artista”. Apenas os que o sistema artístico, composto por leiloeiros, curadores, galeristas e divulgadores (não críticos de arte), amparados numa estratégia de marketing que renderá alguns bons dólares, decidir chamar de artista será artista. Estes produzirão o que veremos nas Bienais distribuídas pelo mundo afora.

Interrogações: quem nunca sentiu uma enorme insatisfação, um tremendo vazio, diante de uma coleção de obras “contemporâneas” expostas nas mais famosas galerias e bienais de arte do mundo? Quem nunca sentiu que ali não havia grande coisa para se apreciar ou que desse o que pensar? Quem é que após estar diante da presença arrebatadora da pintura de um Edward Munch, de um Francis Bacon (participantes anos atrás da Bienal de São Paulo na seção “histórica”), quem é que num momento desse não percorreu a Bienal com tremendo desgosto pelo que era ali exposto como o melhor da criação “contemporânea” (arte é contemporânea? Goya e Rembrandt são apenas o passado, ou o presente e o futuro também?). Não seria, pensamos, uma covardia expor esses gigantes diante das míseras expressões artísticas contemporâneas? Aliás, a curadora da próxima Bienal de São Paulo já se encarregou de desfazer essa humilhação, retirando o “núcleo histórico” da próxima exposição.



Sumário de Acroarte

Isso é Arte?
Botticelli-Uma Deusa Vestida
Botticelli-A Virgem Maria Despida
Botticelli-Suas Mulheres
Delacroix-Um Quadro em Prosa
Vênus ao Espelho
As Três Graças
Flora-Deusa das Flores
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Delacroix - Um Quadro em Prosa

  Essa pintura ilustra a capa dos Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire (Cia das Letras, 1976), lido em 1980. Foi somente ao relê-lo, trinta anos depois (2010!), que notei o quadro de Delacroix. Mais um amor a primeira vista! (A escolha do editor não se justifica, pois não há qualquer ligação entre os conteúdos dos poemas e da ilustração. Mas, valeu pelo presente fortuito e inesperado).    Eugène Delacroix é considerado um dos maiores representantes do romantismo francês. Na sua obra convergem a “voluptuosidade de Rubens, o refinamento de Veronese, a expressividade cromática de Turner e o sentimento patético de seu grande amigo Géricault”. O pintor sublimava os sentimentos através da cor com maestria, Embora tenha escrito que “nem sempre a pintura precisa de um tema” – um lema posterior das primeiras vanguardas, ele vai entrar em contradição com a maioria de suas obras.

 

     Inspirado pela e durante a guerra de independência da Grécia (1821-1829), o artista vai produzir uma obra inigualável, “L'espoir desarmé” - Ekphrasis de "La Grèce expirant sur les ruines de Missolonghi”, de 1827 (Museu de Bordeaux). Esse tributo se dá através de uma quase-alegoria retratando o final da batalha de Scio (Quios), onde 20.000 gregos foram mortos a facada pelos turcos. Uma mulher representando a Grécia, com toda sua majestade, de mãos e braços abertos, retrata a “esperança desarmada”.  Seria o fim da Grécia “terminando em ruínas (“expirant sur les ruines”)? Ao fundo, no canto direito superior, vê-se uma figura de um capitão otomano em típica pose altiva de vitorioso. No canto inferior direito a mão de um soldado comparece entre os escombros como testemunha dos milhares de gregos massacrados. As cores se aproximam de uma paleta monocromática, e o acentuado “claro-escuro” sublinha o aspecto funesto do drama.

     O termo grego Ekphrasis serve de prefácio enfático ao entendimento da obra. João Adolfo Hansen, professor da FFLCH, da USP, explica: phrazô = “fazer entender”, e a raiz ek=”até o fim”. O quadro é um discurso pictórico que põe sob os olhos com energeia e vividez aquilo que deve ser mostrado. Conheço poucas obras de arte com tal amalgamação e “continuidade” entre o título e seu conteúdo, como se não pudesse existir um sem o outro.  O quadro a Primavera de Botticelli (examinado mais adiante), é uma delas, mas seu título não perde o significado pela ausência do mesmo. Pode-se dizer que “La Grèce...” comunga com uma “escrita pictórica”, se arriscamos inverter o sentido  de “imagem escrita”, conceito esse introduzido e desenvolvido pela escritora libanesa Nada Moghaizel em seu livro exemplar, Images Écrites.

     Da Internet retirei o poema abaixo, com o mesmo título e em louvor ao quadro de Delacroix. O autor, da Academia de Letras de Clermont Ferrand, França, assina com o bizarro codinome “mushroom”(!). Uma tentativa de qualquer homenagem é válida, mas o resultado é frustrado por versos que não retratam a intenção exposta pelo pintor. A poesia está falando de uma outra personagem, uma outra “mulher”.  Não há aqui a mínima Ekphrasis ligando o poema, aliás, um belo soneto, à ilustração.

Seule dans cette obscurité effrayant
Cherchan toujours son amour évanoui
Elle se perd dans ces noirceurs qui la tourmentent
Et l'oppressent. Elle n'entend rien, plus aucun cris.

Sombres et immobiles, les pierres parsèment
Le sol pour se faire happer par les abîmes.
A chaque pas, la lumière qu’elle sème
Eclaire les ombres, même les plus infimes.

 Mais dans les méandres de ses froides pensées
Un sentiment d’injustice naît et se propage.
Ces longs cheveux noirs finissent par se mêler

Aux ombres de la mort. Et elle reste en cage
Enchaînée à la bêtise la plus totale
Impuissante à une mort aussi brutale

 

    O poeta britânico Lorde Byron talvez nutrisse a mesma paixão de Delacroix pela Grécia. Esse país sugeria todos os temas susceptíveis de exaltar sua alma desejosa de libertação de um academicismo e prestes a conquistar sua liberdade. A Grécia encarnava um apelo às origens de uma civilização ameaçada. Era uma luta entre o berço da civilização dita “ocidental” e a civilização oriental. A morte de Byron na batalha de Missolonghi, em 1824, leva essa exaltação ao seu paroxismo.
O “Massacre de Scio” é um relato de Delacroix pintado no mesmo ano da batalha (à esquerda).  Finalmente, em 1830, o pintor vai então homenagear a vitória grega pintando “La Liberté guidant les peuples” (acima, à direita). Essas duas obras estão expostas no Louvre.
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Botticelli - Suas Mulheres

Curiosidade: segundo alguns autores, durante mais de três séculos as obras de Botticelli foram largamente ignoradas. No século XIX o pintor passou por uma ressurreição. A recuperação é feita inicialmente por dois ingleses, o celebrado crítico de arte John Ruskin (1819-1900) e o poeta e pintor Dante Rossetti (1828-1882). Até a década de 1860 havia a opinião generalizada que Botticelli limitava o seu atrativo à preferência dada às mulheres feias (?!). Pode? A beleza de suas ninfas, deusas e figuras femininas em geral é incontestável. Vejam alguns rostos irrepreensíveis, a seguir.
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Simonetta Vespucci
Museu Städel, Frankfurt
Madonna da Eucaristia
Isabella S.Gardner Museum,Boston
Minerva e o Centauro
Galeria degli Uffizi
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Flora (Primavera)
Galleria degli Uffizi
Madonna del Libro
Museo Poldi Pezzoli (Milão)
Madonna de la Melagrana Galleria degli Uffizi
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Madonna Wemyss
Nat. Gal. Edimburgo
Madonna Magnificat
Galleria degli Uffizi
Nascimento de Venus
Galleria degli Uffizi

Quase nada se sabe de sua vida particular. Mulheres imaginadas e concretizadas através de sua arte.
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Flora

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La Primavera di Stabia
Afresco romano (c. 100 A.D,) descoberto em Vila Arianna (Castellmare di Stabia, Italia), hoje no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles
         Flora (1790)Angelika Kauffmann (1741-1807), pintora neoclássica suíça.                Flora (1913)
Louise Abbéma (1853–1927), pintora e escultora francesa da belle époque
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             Flora
Do quadro A Primavera (1485), de Boticelli

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              Flora
Do quadro Nascimento de Vênus (1482), de Boticelli
Flora. Godess of blossom and flowers (1894) (*). De Morgan Foundation, London. Evelyn De Morgan (1855-1919), pintora inglesa da escola pré-rafaelita
(*) A seguinte inscrição é encontrada no scroll perto do pé de Flora, no canto direito inferior:

“Io venge da Firenze e sona Flora
Quella citta dai Fior prende Normanza
Tia Fiori son nata ed or cambio dímera
Fra i monte della scozia avio mea stanza
Accoglietemi ben e vi sia caro
Nelle nordiche nebbie il meo Tesoro”

Ilustrações que evidenciam a influência de Botticelli no quadro “Flora”, de De Morgan.Morgan teria se inspirado na postura do rosto de Vênus, no estampado florido do vestido e na cor do manto da figura de Flora do Nascimento de Vênus.
image      Flora de De Morgan image Notar o arco do pescoço, inclusi-ve sua acentuada convexidado, e a inclinação do rosto da Vênus de Botticelli (acima) e da Flora de De Morgan.
imageimageDestaques para a seme- lhança do estampado de flores das vestimentas de Flora nos dois quadros
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Vênus e o Espelho

Foi em uma visita à National Galery, Londres, em 1986. Talvez por ser de Libra, fui capturado pela imagem de um quadro de Diego Velásquez (1599-1660). La Venus del Espejo. O retrato de Vênus de costas era um motivo erótico visual comum para os grandes mestres, mas esse é especial. Não fosse ele o pintor real, não teria escapado da Inquisição. É o único nú do pintor.
Vênus reclinada em uma cama mira-se em um espelho sustentado por Cupido, seu filho. clip_image004O pintor dá à deusa um trato mundano.  As formas são extremamente sensuais, com pernas longas, cintura fina, quadris largos e nádegas proporcionais.
As curvas de seu corpo são inigualáveis. É duplamente um clássico, pois jamais irá perder sua modernidade.
O mesmo não pode ser dito das outras Vênus “ao espelho”, não menos famoclip_image008sas, e que são louras. Compare-se com: 1) o quadro de Ticiano (1473-90) (à esquerda), pintor visto como o maior do Renascimento veneziano, onde cupido está mais despido do que a deusa barriguda; 2) com a Vênus de Veronese (1528-88) (á direita), pintor maneirista da Renascença italiana, roliça, com pouca cintura e nádegas cobertas pudicamente; 3) ou com Rubens (1577-1640) (à esquerda, abaixo), pintor flamenco, barroco, que bem caracteriza o tipo de clip_image006beleza da época com as nádegas opulentas. A presença da velha arranjando seus cabelos destoa da eterna juventude da deusa do amor.
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As Três Graças

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Destaque dado ao pintor paulista contemporâneo Cláudio Canato. As Três Graças.
"Canato tem a ousadia de declarar que seu trabalho se baseia nos artistas renascentistas como Botticelli, Caravaggio, Ticiano e mesmo Rembrandt", comenta David Angeli no Blog Retratos da Vida. Um artista que cabe sob medida em nossa proposta de provocar e incentivar um “neo-renascimento”.
   
As Charites (Χάριτες) na História da Arte

Três quadros de Antonio Canova (1757-1822)
Pintor e escultor neoclássico italiano

(c.1815) Mármore.
(Museu Hermitage, São Petersburgo)
(c.1799) Tempera em papel, Museu Canova, Possagno, Itália 
(1799) Óleo sobre Tela
Museu Canova, Possagno, Itália

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Cupido e as Três Graças (1817-19)
Bertel Thorwaldsen (1770-1844), Escultor Dinamarquês neoclássico.
As Três Graças (1604)
Hans Von Aachen(1552-1615), Museu Nacional de Artes, Romania
Pintor maneirista alemão
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Afresco em Pompéia
Museo Archeologico Nazionale. Nápole, Itália
c. 1505, Rafael.
Museu Condé, Chantilly, França
Homenagem a Rafael David Hamilton,1988 Fotografia
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George F. Watts (1817-1904) c, 1505, Rafael. Museu Condé,
Chantilly, França
1763, Carle Van Loo Museu de Artes Los Angeles
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1831, James Pradier, Louvre Michael Parkes Galeria Jean Stephen, MPL. EUA Praça da Fonte, Chinon, França
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