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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Delacroix - Um Quadro em Prosa

  Essa pintura ilustra a capa dos Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire (Cia das Letras, 1976), lido em 1980. Foi somente ao relê-lo, trinta anos depois (2010!), que notei o quadro de Delacroix. Mais um amor a primeira vista! (A escolha do editor não se justifica, pois não há qualquer ligação entre os conteúdos dos poemas e da ilustração. Mas, valeu pelo presente fortuito e inesperado).    Eugène Delacroix é considerado um dos maiores representantes do romantismo francês. Na sua obra convergem a “voluptuosidade de Rubens, o refinamento de Veronese, a expressividade cromática de Turner e o sentimento patético de seu grande amigo Géricault”. O pintor sublimava os sentimentos através da cor com maestria, Embora tenha escrito que “nem sempre a pintura precisa de um tema” – um lema posterior das primeiras vanguardas, ele vai entrar em contradição com a maioria de suas obras.

 

     Inspirado pela e durante a guerra de independência da Grécia (1821-1829), o artista vai produzir uma obra inigualável, “L'espoir desarmé” - Ekphrasis de "La Grèce expirant sur les ruines de Missolonghi”, de 1827 (Museu de Bordeaux). Esse tributo se dá através de uma quase-alegoria retratando o final da batalha de Scio (Quios), onde 20.000 gregos foram mortos a facada pelos turcos. Uma mulher representando a Grécia, com toda sua majestade, de mãos e braços abertos, retrata a “esperança desarmada”.  Seria o fim da Grécia “terminando em ruínas (“expirant sur les ruines”)? Ao fundo, no canto direito superior, vê-se uma figura de um capitão otomano em típica pose altiva de vitorioso. No canto inferior direito a mão de um soldado comparece entre os escombros como testemunha dos milhares de gregos massacrados. As cores se aproximam de uma paleta monocromática, e o acentuado “claro-escuro” sublinha o aspecto funesto do drama.

     O termo grego Ekphrasis serve de prefácio enfático ao entendimento da obra. João Adolfo Hansen, professor da FFLCH, da USP, explica: phrazô = “fazer entender”, e a raiz ek=”até o fim”. O quadro é um discurso pictórico que põe sob os olhos com energeia e vividez aquilo que deve ser mostrado. Conheço poucas obras de arte com tal amalgamação e “continuidade” entre o título e seu conteúdo, como se não pudesse existir um sem o outro.  O quadro a Primavera de Botticelli (examinado mais adiante), é uma delas, mas seu título não perde o significado pela ausência do mesmo. Pode-se dizer que “La Grèce...” comunga com uma “escrita pictórica”, se arriscamos inverter o sentido  de “imagem escrita”, conceito esse introduzido e desenvolvido pela escritora libanesa Nada Moghaizel em seu livro exemplar, Images Écrites.

     Da Internet retirei o poema abaixo, com o mesmo título e em louvor ao quadro de Delacroix. O autor, da Academia de Letras de Clermont Ferrand, França, assina com o bizarro codinome “mushroom”(!). Uma tentativa de qualquer homenagem é válida, mas o resultado é frustrado por versos que não retratam a intenção exposta pelo pintor. A poesia está falando de uma outra personagem, uma outra “mulher”.  Não há aqui a mínima Ekphrasis ligando o poema, aliás, um belo soneto, à ilustração.

Seule dans cette obscurité effrayant
Cherchan toujours son amour évanoui
Elle se perd dans ces noirceurs qui la tourmentent
Et l'oppressent. Elle n'entend rien, plus aucun cris.

Sombres et immobiles, les pierres parsèment
Le sol pour se faire happer par les abîmes.
A chaque pas, la lumière qu’elle sème
Eclaire les ombres, même les plus infimes.

 Mais dans les méandres de ses froides pensées
Un sentiment d’injustice naît et se propage.
Ces longs cheveux noirs finissent par se mêler

Aux ombres de la mort. Et elle reste en cage
Enchaînée à la bêtise la plus totale
Impuissante à une mort aussi brutale

 

    O poeta britânico Lorde Byron talvez nutrisse a mesma paixão de Delacroix pela Grécia. Esse país sugeria todos os temas susceptíveis de exaltar sua alma desejosa de libertação de um academicismo e prestes a conquistar sua liberdade. A Grécia encarnava um apelo às origens de uma civilização ameaçada. Era uma luta entre o berço da civilização dita “ocidental” e a civilização oriental. A morte de Byron na batalha de Missolonghi, em 1824, leva essa exaltação ao seu paroxismo.
O “Massacre de Scio” é um relato de Delacroix pintado no mesmo ano da batalha (à esquerda).  Finalmente, em 1830, o pintor vai então homenagear a vitória grega pintando “La Liberté guidant les peuples” (acima, à direita). Essas duas obras estão expostas no Louvre.

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